3# experiência – o editável

Nos últimos meses, o objeto de estudo que serviria como um corpus de observação contínua tornou-se outra experiência que ainda não havia sido realizada dentro da pesquisa: tivemos a experiência de saber como seria um processo de ranquear ou até mesmo se aproximar da maneira que grupos e pessoas hoje em dia obtém nossas informações sem ao menos sabermos que estamos passando por isso (ou fingimos não saber).

Vamos listar aqui como os passos são simples e você pode aplicar no seu cotidiano (#ironia):

  1. você escolhe um objeto;
  2. define seus objetivos que podem ser largo prazo ou curto prazo;
  3. em seguida você observa o objeto;
  4. continua observando;
  5. depois você monta uma tabela comparando seus dados
  6. por fim, conclui seus dados a partir dos interesses estabelecidos anteriormente.

Essa lógica é igual ou próxima que um algoritmo constrói, e se fomos mais além, assemelha-se aos procedimentos de estudos científicos, inclusive eles dialogam bastante se paramos para pensar que a maioria das etapas são inseridas dentro de normas e de interesses específicos, ou seja, a existência de um controle e de uma quantidade.

Um caso de estudo recente sobre controle e quantidade é o da alteração de uso do Instagram. Um objeto merecedor de representação do funcionamento de um ranqueamento, que resolveu nos últimos meses alterar as suas práticas culturais, ou seja, suas formas de edição já estabelecidas durante anos entre seus usuários.

A rede social tomou a decisão de fazer um teste, resolveu tirar as curtidas e as visualizações dos perfis dos usuários e em julho o Instagram Brasil acolheu dessa decisão também. Claro que a mudança gerou postagens nas redes sociais de muita satisfação porque acabaria a obsessão por curtidas, mas também gerou descontentamento, uma vez que a retirada dos likes poderia interferir no ranqueamento publicitário (isso hoje é visto de forma controvérsia). No entanto, sabe-se que a visualização continuará para os usuários, isto é, ela apenas desapareceu para os visualizadores, mas quando acessamos o nosso perfil podemos ver as quantidades de curtidas.

Contudo, essa alteração do Instagram acabou por exigir que a relação do eu com os outros desenvolvesse trocas novas referente à aparência e desempenho: pessoas não verão mais os desempenhos dos outros e tão pouco estabelecerão um nível de inferioridade e superioridade que a constituição cultural dos likes havia tido nos últimos anos.

Aliás, pensar o termo like como constituição cultural é bem interessante para um ponto linguístico, visto que quantas palavras e expressões em inglês usamos para referenciar nossas atitudes sociais e culturais hoje em dia?

Contudo, o que queremos mostrar com o caso do Instagram é que isso também pode ser incorporado quando pensamos nos livros literários, uma vez que essas mudanças e ajustes corporais e linguísticos fazem parte de uma condição cultural que não estão associados apenas aos usos dos aplicativos e plataformas editáveis. Essas mudanças também atravessam a constituição da produção literária. E a constituição do objeto literário no tempo presente depende da condição da cultura algorítmica.

O algorítimo é um traço cultural e um objeto editável que conseguimos transformar e dar novos valores, e que além disso, nasce das nossas próprias banalidades, enfatizando nossos fluídos e fluxos . O instagram, por exemplo, estabeleceu práticas culturais, mas apenas instituiu-as através dos nossos usos, através das nossas performances.

O objeto literário é um vetor de sensibilidade que atravessa a matriz de sociabilidade da internet. A presença da internet, sendo quase uma extensão do nosso corpo, transforma a atividade criadora seja na materialidade, seja na inscrição linguística e na cenografia dos textos. Para citar, os livros que observamos nos ranqueamentos possuem uma associação com a internet quase que única:

  1. Selo Suma – livros que fazem parte de um selo editorial e são divulgados nas redes sociais da editora com suas próprias marcas visuais;
  2. Livros do coletivo TCD – livros publicados porque seus autores começaram editando textos literários em redes sociais, por isso foram descobertos e logo publicados;
  3. Livros de Augusto Cury e Bráulio Bessa – autores que possuem websites focados em quantidades

Portanto, publicar livros, principalmente no agora, dependeria de trocas na internet – mas não de forma exclusiva – e estaria associado constantemente a um ranqueamento que é estimulado por causa de rankings e formas de divulgação, especialmente na constituição imagética.

Por isso, já no final da observação, nos perguntamos se o ranqueamento poderia ser pensando também como um fator integrante na circulação de determinados livros.

Embora isso tenha sido estudado em outros momentos, não havíamos dado um foco para prática cultural dos algoritmos ou visto como objeto de estudo. Ele era visto como consequência de um tempo, não como uma constituição do espaço unido ao nosso corpo, as nossas sensibilidades e nas violências.

Resultado de imagem para TDC LIVRO
O TCD esteve em quase todos os rankings. Publicado por um coletivo de autores, teve seu surgimento primeiro no Facebook e depois passou ser publicado pelo selo Globo Alt (direcionado ao público jovem ) após ser descoberto nas redes sociais. Informações e foto: Site G1 – Globo.
A editora Suma é selo da Companhia das Letras. Ela detém os direitos autorais de Stephen King e George R. R. Martin no Brasil. Também esteve no ranking algumas vezes, especialmente quando estava passado a série Game of Thrones na HbO. Captura de tela nossa.

Além disso, a noção de cultura desenvolvida na disciplina também nos levou a pensar se existiria essa cultura ou não do algorítimo. Do nosso ponto de vista, ela pode ser aplicada. Porém, sabemos que existem as noções da cultura digital, cultura virtual, cultura da internet, ciberespaço e outras mais, por isso é necessário temos consciência como ela se aplica dentro de uma grande área ou sub-área de conhecimento.

Também não chegamos a uma conceito final sobre a cultura algorítmica ligada à literatura, nem como a ideia pode ser desenvolvida, mas temos materiais para continuar o tema, isso já é um ponto de partida importante.

Por último, essa proposta de leitura e observação foi aceita em um Congresso Internacional na Espanha, ter tido esse retorno fez que acreditássemos no potencial do nosso caso e que levássemos adianta a leitura sobre rankings.

A disciplina também foi essencial, talvez mais importante na relação com o objeto, para a construção do pensamento e da observação, que passou de estranha para constituinte de um projeto maior.