The SQUARE

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Para aqueles que ainda não foram convencidos da validade das ideias de Milton Santos que busquei apresentar na postagem anterior, o meu breve sumiço neste site são uma prova delas. Pipipi velocidade pópópó o mundo é sem fronteiras mimimi a internet coloca o mundo na palma de nossas mãos. Eu apostaria um dedo que a Casa Branca não precisa ficar ligando na provedora de internet deles reclamando que a velocidade de banda está abaixo da contratada. A tal velocidade só é plenamente usufruída por quem está no domínio das técnicas, meus caros. Eu, uma coitada de uma estudante, sofri o contrário: um baita atraso de vida no telefone com o serviço de atendimento ao consumidor, pois não conseguia fazer download de um mísero filme.

Ficamos, assim, entendidos.

Filme baixado e reassistido, vamos ao que interessa: as vantagens da morosidade. Não ceder aos impulsos da velocidade, vendo o filme na calma e na santa paciência, pausando e anotando, permitiu não só que eu fizesse um bom resumo de The Square, como que pensasse em questões importantes.

Uma vez que eu comecei a discutir o filme praticamente pela cena final, me cabe agora explicar como ele se encaminha até lá, para, nas posteriores postagens, irmos pensando alguns aspectos que, eu espero, provem a minha hipótese:

The Square é um filme sobre violência e poder, que deslinda como o último necessita de “processos editoriais” para se fazer valer. Para ser sincera, não sei se o que coloquei entre aspas é a escolha ideal de palavras, mas o que quero dizer é que o poder não é natural e depende de uma série de escolhas. Somente através desse cuidadoso processo, é possível competir, se manter no topo e praticar a violência.

Por isso, quando elegi uma narrativa fílmica como meu objeto de estudo, eu não estava preocupada em como ela foi gestada, produzida, distribuída e nas implicações de tais processos para o produto final. O que me interessa é como esse universo do museu ficcional é capaz de apontar para a nossa própria realidade e criticá-la.

* * * * * * * * * * CONTÉM SPOILERS * * * * * * * * * *

Chegou a hora do meu resuminho descontraído. Quem não assistiu ainda, faça-se o favor.

O filme começa com uma jornalista chamada Ann (a espetacular, e sem nenhum defeito, Elizabeth Moss) entrevistando, nas dependendências do museu, o seu diretor, Christian, em ocasião do lançamento de uma instalação:

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Em Neon, ao fundo, lê-se: YOU HAVE NOTHING

Ann pergunta a Christian quais são os maiores desafios de se dirigir um museu, além de pedir que ele explique a resenha da exposição que se encontra no site do museu. A intereção entre ambos chega quase a ser engraçada e as respostas que Christian dá a ela colocam questões interessantes, sobre as quais pretendo me debruçar com mais calma nas postagens seguintes.

Em seguida, trabalhadores cavam um sulco em forma de quadrado no calçamento em frente ao museu, preenchendo-o com uma fita de LED. Numa placa dourada, posicionada ao lado do quadrado, lê-se:

THE SQUARE IS A SANCTUARY OF TRUST AND CARING. WHITIN ITS BOUNDARIES, WE ALL SHARE EQUAL RIGHTS AND OBLIGATIONS.

Traduzindo: O quadrado é um santuário de confiança e cuidado. No interior de suas fronteiras, todos têm os mesmos direitos e obrigações.

Aparentemente, dentro do quadrado é como deveria ser o nosso próprio mundo, né? Além disso, como não pensar no quadrado como um “espaço circunscrito”? Agimos, então, diferente, dentro de certos quadrados? Agimos diferente dentro de um museu?

O quadrado, na ficção, é uma instalação de autoria de uma artista argentina chamada Lola Arias. Guardem esse nome, pois ele será importante em algum momento.

Na próxima cena, vemos alguns moradores de rua pedindo dinheiro ou comida, enquanto pessoas passam apressadas e indiferentes a sua presença. Essa presença, muitas vezes invisível, se faz visível e é uma constante no filme, aliás. Nessa multidão, inclui-se Christian. Olha para esse cara:

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“eu penteio meu cabelo para fazer parecer que ele está desarrumado, e dai?”

De terno, mas sem gravata. Um visual levemente desleixado e cuidadosamente pensado, que diz: “Eu me importo com a aparência, mas não muito, pois sou uma pessoa chique, porém descolada.” … bom, o carro dele é um Tesla! (risos) Eu diria que ele se coloca no meio do caminho entre “almofadinha” e “metido a artista intelectual”. Combina muito bem com a personagem, aliás. O que acham?

Enfim… ele está no meio da multidão apressada, caminhando também apressado, afinal ele é diretor de um importante museu, e ao longe se ouve gritos de socorro. Ele dá uma paradinha, mas continua. Gritos novamente, e mais próximos. Ele e um outro transeunte param e olham em volta, mas não veem nada. Continuam. Gritos pela terceira vez, agora mais perto ainda. Eles finalmente param e percebem que a dona dos gritos é uma mulher fugindo de um homem enfurecido. Essa cena confunde um pouco, pois somente o fato de se tratar de um filme sobre um museu leva a crer que aquilo não era uma situação real de violência, mas uma performance artística. Eles ajudam a mulher e, passada a confusão, nada é revelado nesse sentido. Não eram atores. Mas tampouco era, aquilo, uma situação real de violência. Descobrimos, mais tarde, que se tratou de uma distração para roubar a carteira e o celular de Christian. Arte ou assalto, vida ou ficção?

Enquanto isso, no museu, acontece uma reunião com uma dupla de publicitários, afim de decidir qual seria a melhor estratégia para divulgar a nova instalação: The Square. A discussão se encaminha para a criação de algo viral, que crie controvérsia, e até o “Ice Bucket Chalenge” é citado……… (Esse desafio consistia em filmar e postar nas redes sociais um vídeo seu jogando um balde de água gelada na própria cabeça para simular os sintomas que as pessoas que possuem Esclerose Lateral Amiotrófica (ALS) sofrem, conscientizar, sensibilizar o público e conseguir doações para a causa. O desafio virallizou e muitas doações foram feitas, mas depois de algum tempo as pessoas simplesmente jogavam água na própria cabeça sem saber o porquê. Apenas pelo “hype”). Christian discorda da abordagem e prefere algo simples. Essa é a duplinha de publicitários:

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O filme pula de uma cena a outra, como se seguisse o próprio ritmo desenfreado da vida do diretor do museu. Na cena seguinte, ele se encontra na frente do espelho, ensaiando o discurso que dará para apresentar à sociedade a nova obra (The square). Ali, ele treina como irá jogar fora o seu discurso pré-preparado para falar de forma menos engessada e mais descontraída. Repito: ele planeja como irá parecer uma pessoa espontânea em frente a platéia que lhe aguarda. Essa platéia deveria ser composta por pessoas interessadas por arte, certo? Errado. São apenas pessoas da alta sociedade que estão ali para comer e que após o breve discurso do diretor sobre a estreia se dirigem ao jantar feito uma manada de famintos. Achei muito rude, inclusive, eles deixarem o chef de cozinha, que estava apresentando o cardápio, falando sozinho, de forma idêntica àqueles alunos sem noção de ensino médio, que já vão saindo da sala assim que bate o sinal para o intervalo. Por isso mesmo, amei o berro que o chef deu, chamando atenção dessa gente, porque era bem isso que eu tinha vontade de fazer quando dava aula. Questões de empatia, não é?

Uma vez cumprida a obrigação como diretor do museu, Christian vai dar conta de seus problemas pessoais: o roubo do celular e da carteira. Com a ajuda de um funcionário, ele é capaz de rastrear a localidade de seus itens utilizando o GPS. Um prédio. O único problema é que a localização não é precisa o suficiente para determinar qual apartamento. E é aí que eles tem a brilhante ideia de enviar cartas com ameaças em TODOS os apartamentos. Trata-se de um prédio com 13 andares e, pelo que pude contar, aproximadamente 10 apartamentos por andar. Isso significa que por causa de um celular e de uma carteira eles ameaçaram, PELO MENOS, 130 famílias (!!!) Até que existe um momento de luta com a própria consciência, que diz a ele que fazer isso é errado, mas ele acaba tomando essa decisão estúpida mesmo assim. A tal da carta, que dizia que seus itens deveriam ser devolvidos em uma determinada loja de conveniência, acaba por surtir o efeito desejado: após algum tempo, seus itens são devolvidos.

No museu, acontece uma conversa com o autor da instalação “You have nothing”… ele fala umas coisas legais sobre a arte, que se relacionam com a ideia do filme, e que dá para discutirmos depois com mais detalhes. Rola também uma festa, após a qual Christian acaba indo com Ann para a casa dela. E, cara????? Ela tem um CHIMPANZÉ. Sei lá? O chimpanzé não faz nada na cena, só existe mesmo. E você espera que esse seja o ponto alto da bizarrice, porém, depois que eles fazem sexo, Christian não quer jogar a camisinha fora. Parece que ele não quer que ela descubra que ele mentiu e não havia gozado, mas os motivos são outros. Ele, aparentemente, tem medo que ela seja uma golpista e use o semên da camisinha para engravidar dele. (meu, que autoestima……inclusive, Ann diz o seguinte para ele, depois que percebe o que está acontecendo: “you think very high of yourself”). Mais tarde no filme, ela confronta ele.

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Ann simplesmente incrédula e inconformada com a exagerada autoestima de Christian

Intorrompo, aqui, para pedir paciência comigo. Parece que eu estou numa verborragia maluca, falando aqui um monte de coisa inútil. Porém, a cena do sexo e da discussão entre eles é interessante para discutir poder. O plot do celular roubado e das ameaças, também. As cenas que retratam o dia a dia do museu, e não os problemas pessoais de Christian, são interessantes para analisar como as questões colocadas pela arte ali exposta acabam por transbordar para a própria vida do protagonista. Calminha então, amigos.

Falando no celular e na carteira… PLOT TWIST! Chega outro pacote para Christian na loja de conveniência. Ué? Mas como? Ele já recuperou o celular e a carteira! Meu deus? O que está acontecendo?

Fique ligado nas próximas cenas dos próximos capítulos para descobrir!

(vou parar por aqui hoje, pois achei um excelente cliffhanger)

CONTINUAÇÃO

Pois é… outro pacote. mas dentro, havia um bilhete e não um celular e carteira: “I’ll make a chaos with you”. O filme nos deixa suspensos sobre quem haveria enviado tal pacote, assim como eu vou fazer com vocês aqui agora, e retorna à gestão do comercial para divulgar a nova instalação. Christian está ocupado “lidando” com as consequências de ter enviado ameaças para 130 famílias……. então ele não participa dessa reunião, que acaba por decidir qual a natureza desse comercial: uma criança loira, moradora de rua, que explode junto com o The square. Essa decisão é tomada tendo como base pesquisas de mercado e de público, coisas de publicitários… Christian chega atrasado, dá uma olhadinha MALEMÁ, aprova e sai.

Criancinha minutos antes de voar pelos ares

Enquanto isso, os funcionários de Christian vão na lojinha de conveniência receber o pacote por ele. Por isso eu coloquei a palavra “lidando” entre aspas no parágrafo anterior: muito fácil “lidar” com as coisas assim. Questões de poder…né? Descobrimos que o autor da carta é um menino, por volta dos 12 anos, que está bravíssimo, louco da vida, tentando botar o terror porque seus pais o colocaram de castigo ao lerem a ameaça de Christian. E o coitado privado dos privilégios da vida de criança sendo completamente inocente. Ele foi meio maluco e agressivo, claro. Mas ele só queria um pedido de desculpas, que limpasse a reputação dele com os pais. E, oras, é uma criança! Além do mais, ele estava apenas respondendo no mesmo tom da carta que foi enviada. Pensando que estava lidando com gente “barra pesada”, decidiu que a única forma de consiguir uma retratação era sendo “barra pesada” também.

É um contraste interessante que, nas cenas seguintes, as filhas de Christian cheguem em casa gritando e se agredindo, obviamente frustradas porque o pai esqueceu que era a vez dele de ficar com elas. Ele não pede desculpas. Nem as filhas, nem ao menino.

No dia seguinte, ele leva as garotas a uma instalação que é parte do The Square (assim como o quadrado e como a performance do homem macaco). Nela, você decidia percorrer a obra por dois caminhos: I TRUST PEOPLE ou I MISTRUST PEOPLE. As garotas escolhem a primeira opção, mas imediatamente você se lembra da cena de sexo de Christian com Ann e imagina que essa não seria a escolha dele. O espectador fazendo parte da obra. A vida se amalgamando com a arte. No caminho da confiança, há inclusive um quadrado desenhado no chão encorajando os visitantes a deixar os celulares e a carteira ali.

Mais uma vez, a arte parece conversar diretamente com a vida de Christian. Em uma conversa com as filhas, ali, ele fala como antes havia mais confiança e as pessoas cuidavam dos filhos dos outros como se fossem seus. Hoje, entretanto, adultos são sempre uma ameaça em potencial. Mas, não é isso o que ele significa para o menino que ele ameaçou?

A propaganda, já pronta, viraliza e questiona “How much inhumanity does it take before we acess your humanity?” No jantar com o homem macaco, o estupro parece ser o limite para algumas pessoas, enquanto outras preferem se disfarçar na multidão. Para Christian, o limite parece ser empurrar uma criança da escada e achar que a matou. O limite parece ser também perceber que suas filhas ouviram toda a demonstração de força dele para com um garoto que só queria um pedido de desculpas. Parece ser um momento epifânico para ele, que se preocupa nos próximos dias em pedir desculpas ao garoto.

Essa é a propaganda……

Há também a desculpa dele à sociedade, numa coletiva de imprensa, pois é óbvio que o vídeo de uma criança de rua sueca sendo explodida iria causar enorme repercursão entre os suecos. Nessa coletiva, falam sobre liberdade de expressão, o papel do museu e a vunerabilidade de certos grupos sociais.

O filme termina com Christian não encontrando o garoto para se desculpar e não mais o diretor do museu.