Algumas considerações entre os sistemas algorítmicos e as tradições prometeica e fáustica

De acordo com Sérgio Amadeu da Silveira, em seu artigo “A noção de modulação e os sistemas algorítmicos”, “o sucesso da cultura do compartilhamento foi reconhecido pelo mercado que buscou operar a capitalização desse modelo” (p. 32). A ideia de compartilhamento nas redes traz uma noção de que tal prática seria para beneficiar os usuários, pois tudo está disponível na rede, sempre atribuindo a praticidade de fazer, seja o que for, no conforto de sua casa.  Entretanto, o lucro por trás desta prática é inimaginável.

O Netflix, por exemplo, oferece seu produto a partir dessa perspectiva: ao acessar a página como não assinante, dizeres como “Diversão sem fim, quando quiser, onde quiser”, “aproveite na TV”, “baixe séries e assista em qualquer lugar”, “assista quando quiser”, que aparecem somente na página inicial. A visão prometeica aqui é bem explorada, a fim de mostrar para os usuários a comodidade de ser um assinante Netflix. O lucro – fáustico – da empresa no primeiro trimestre de 2019 foi de 344 milhões de dólares, de acordo com o site Valor Econômico, em matéria publicada no dia 16 de abril.

A respeito das tradições prometeica e fáustica, Hermínio Martins nos diz que, na primeira, o domínio tecnológico aparece como subordinado ao bem humano, a fim de uma emancipação da espécie no seu conjunto, de forma finita. Na visão fáustica, no entanto, o domínio tecnológico da natureza não necessita de qualquer justificação humana que não seja a própria expressão do poder tecnológico, sem qualquer limite e, por isso, infinita.

Da Silveira diz também que os sites produtores de conteúdos foram superados pelas plataformas de interação, onde os usuários passaram a produzir matérias e objetos. As plataformas de comunicação surgiram entre 2004 e 2011 e, junto com eles, cresceram exponencialmente os modelos de negócios que intermediavam ofertantes e demandantes de serviços e mercadorias. Ou seja, quanto mais pessoas na rede publicando seus interesses e necessidades, com a (falsa?) impressão prometeica de liberdade de expressão e autoria, as empresas exploram fausticamente esses dados por meio dos sistemas algorítmicos, a fim de obter lucro.

O autor cita Eli Srnicek, que disse que as “plataformas filtram nossa comunicação, analisam nossos comportamentos e nos inserem em bolhas de pessoas semelhantes”. Isso significa que, ao pensar o compartilhamento de mensagens por tais plataformas, existem determinados compartilhamentos que chegam até nós, de acordo com os nossos perfis. Por tal razão, muitos recebem as notícias que mais compartilham ou onde buscam informação. E ainda traz a falsa sensação de que está recebendo as informações reais, verdadeiras, isentas de parcialidade. Aqui não há como ser uma percepção prometeica, ao meu ver. Ou há?

Como não pensar o tempo todo agora nessa dicotomia prometeica-fáustica em (quase) tudo? As justificativas prometeicas, a fim de um bem maior, em benefício a si próprio? Como delimitá-las? Termino com mais dúvidas do que certezas.

Referências:

MARTINS, Hermínio. Experimentum Humanum – civilização tecnológica e condição humana. Belo Horizonte: Fino traço, 2012.

RYNGELBLUM, Ivan. Netflix tem maior crescimento de assinantes num trimestre e lucro sobe. Disponível em: <https://www.valor.com.br/empresas/6214591/netflix-tem-maior-crescimento-de-assinantes-num-trimestre-e-lucro-sobe>. Acesso em 16 de abril de 2019.

SOUZA, Joyce; AVELINO, Rodolfo; DA SILVEIRA, Sérgio Amadeu (orgs). Sociedade de controle – manipulação e modulação nas redes sociais. Editora Hedra, 2019.