Luther Blissett: uma proposta de estudo de um pseudônimo coletivo

Meu objeto editorial, que espero conseguir ao longo da disciplina torná-lo objeto para uma pesquisa para o Doutorado, é a construção da autoria coletiva e as táticas de “guerrilha psíquica” em um pseudônimo coletivo: Luther Blissett.

Resultado de imagem para luther blissett conrad

Dois de seus livros foram editados pela Editora Conrad, o romance “Q – o Caçador de Hereges” e “Guerrilha Psíquica” que faz parte da coleção Baderna e poderia ser considerado um texto teórico que ajuda a entendermos a “práxis” comunicacional do coletivo, seria uma espécie de manifesto.

Resultado de imagem para luther blissett conrad

O interessante é que ao mesmo tempo que o coletivo disponibiliza os livros no site oficial, ainda sim os livros saem por editoras consagradas e com uma cenografia desses livros de mistérios best-sellers como “O Código Da Vinci”, etc.

Resultado de imagem para luther blissett conrad

Gostaria de entender melhor essas táticas, assim como as condições de produção desse coletivo, com as reflexões construídas com o grupo na disciplina sobre cultura digital e cibercultura.

Luther Blissett Project e a Wu Ming Foundation

O Luther Blissett Project foi o projeto de 5 anos (uma espécie de tiração de sarro dos planos de crescimento de Stálin) que resultou em vários livros, entre eles Q – o Caçador de Hereges, que fez tanto sucesso que é objeto de uma teoria de conspiração.

Segundo um dos próprios integrantes, identificado como Wu-Ming 1:

‘Luther Blissett’ era um pseudônimo de multi-uso que poderia ser adotado por qualquer um interessado em construir a reputação subversiva do personagem-imaginário-estilo-Robin-Hood, supostamente o líder virtual de uma comunidade aberta e florescente no campo dos golpes de mídia, produção de mito, escritos subversivos, performance radical e interferência artística e cultural.

O coletivo, que possuía um número flutuante de membros ao longo dos anos, hoje é formado por um núcleo de três escritores, ou melhor, trabalhadores mentais. Com a conduta de “estar presente mas não aparecer: transparência com os leitores e opacidade com os media”, são raras as aparições para promoção de suas obras. No entanto, os três integrantes se mantém ativos na cena underground de Bologna, realizando shows, raves, peças de teatros e performances artísticas.

Ao abandonar o LB Project, os integrantes criaram a Wu-Ming Foundation (Wu-ming em mandarim significa “ninguém”) para contemplar todos esses projetos e os que virão, como uma espécie de termo guarda-chuva.

Isso faz parte das táticas de guerrilha comunicacional que busca subverter a ordem a partir de uma posição central nessa mesma ordem, seja como um détournement, um happening, uma prank, etc.

Aqui é central uma abordagem que saiba quais técnicas são mais eficientes para cada ato. É necessário uma se fazer uma leitura sobre a cultura a qual se deseja mudar, considerando as técnicas e os espaços em que se pode atuar. Sempre focados, no entanto, na produção do mito, na criação de formas e percursos narrativos de “heróis”.

Luther Blissett: o herói da multidão

“nós sempre colocamos a ênfase no lado criativo da relação entre capital e classe. Damos a ênfase ao poder das multidões”

– Wu Ming

O projeto “Luther Blisset” e eventualmente a criação da Wu-Ming Foundation nos ajuda a pensar na proposta de intervenção cultural a partir das condições existentes. Não se trata de idealizar “as massas” e fetichizar o que é “popular”, e sim, de pensar no potencial criador das multidões.

O uso do pseudônimo coletivo estabelece uma mediação entres lutas passadas e presentes, o nome “Luther Blissett” é o que une um conjunto de valores, ideais, histórias, mas também se separa de uma série de outros conjuntos de valores, ideais e histórias. Segundo Marco Deseriis, os pseudônimos coletivos (apesar de contextos políticos, sociais e culturais distintos) tem três características:

  1. empoderam um grupo social subalterno ao providenciar um mídium de identificação e reconhecimento mútuo para seus usuários;
  2. permitem aqueles que não tem voz adquirir um poder simbólico fora dos limites de uma prática institucional;
  3. expressão um processo de subjetivação caracterizado pela proliferação da diferença.

O conceito de multidão é pensado a partir dos autores autonomistas italianos como Toni Negri e Paolo Virno, como uma espécie de fuga do conceito político de “povo” do Thomas Hobbes. “Povo” nada nos diz sobre as diferenças e singularidades presentes nos conjuntos de pessoas. O que é “povo brasileiro” por exemplo? É esse povo que foi as ruas em 2013? Que age de forma espontânea e assusta tanto o Estado que estamos sentindo seus efeitos até agora? “Povo” parece algo muito homogêneo, muito rígido, muito comportado para uma construção de uma nova epistemologia da rebeldia.

Multidão parece que dá conta dessa criatividade, heterogeneidade e desejo de insurgência que já está presente na sociedade. Pode soar um tanto otimista, mas ainda é uma posição bem mais corajosa do que ser contra “tudo isso que está aí”.

Copyleft, copyright e a batalha dos comuns

Na generalidade, observa-se que, a uma escala planetária, toda legislação do direito do autor é expressão de uma mentalidade oligárquica e repressiva, sempre mais disposta a defender os privilégios de obsoletos lobbies, multinacionais e potestades que vivem da apropriação indevida daquilo que deveria ser de todos.

– Wu-Ming em uma entrevista a Associação Italiana de Bibliotecas em 2000

Todos os livros publicados pelo coletivo tem a licença de reprodução das obras nos moldes do movimento copyleft: “É consentida a reprodução parcial ou total desta obra bem como a sua distribuição por via telemática para uso pessoal de leitores, desde que sem fins comerciais”.

Copyleft é uma estratégia utilizada para evitar o copyright, que seria uma barreira para a circulação da arte/conhecimento segundo o coletivo. Toda obra tem uma dimensão coletiva, o “comunismo” de certa maneira já está presente, o capital é um parasita desses arranjos comuns e a luta do coletivo é uma ação direta contra a apropriação desses comuns.

Por isso que é tão importante para o coletivo o estudo de formas de circulação de seus textos e a utilização da forma-narrativa mítica, pois existe a compreensão que a criação de mitos é algo que até desautoriza o seu próprio poder mítico. As narrativas míticas tem o poder e a potência de mobilizar politicamente, os autores apostam nessa “pirataria” como uma espécie de redistribuição das “riquezas” culturais que o uso do copyright bloqueia.

Ao se inscreverem na luta contra o copyright, esses escritores estão atuando no cerne do capitalismo pós-fordista que se aproveita do trabalho criativo para gerar mais-valia, segundo a teórica dos Estudos Culturais Angela McRobbie, transforma o artista em capital humano.

Cultura pop como proto-comunismo

Enquanto que outros movimentos artísticos se colocavam como contra a cultura de massa, como hippies, punk, os integrantes do LBP a celebram, a utilizam para compor a linguagem mítica que integram suas obras, performances. A cultura pop é tomada como uma espécie de modernismo popular, cujas práticas culturais anticapitalistas davam forma a uma espécie de comunidade, passando por cima da concepção de “família”, e que aceleraria o fim do capitalismo, pois nas palavras de Lenin, o capitalismo te vende as cordas para enforcá-lo.

Não se trata de uma posição ingênua acerca do funcionamento do capitalismo e das indústrias culturais, e sim, considerar os potenciais utópicos da cultura popular, esperando tornar essas narrativas e objetos culturais abertos, podendo ser reescritos, retomados e re-significados sem que se transformem em mercadorias.