Apresentação

Sou Mayara, mestranda em Linguística pela UFSCar. Me interesso pelas áreas de comunicação, moda, e principalmente Produção de Conteúdo. A alimentação dessa página faz parte do processo avaliativo da disciplina: Estudar Objetos Editoriais.

Objeto Editorial

O primeiro passo para iniciarmos esse trabalho é a escolha do objeto editorial que será utilizado como corpus de estudo. A escolha não foi fácil, e como todo pesquisador bem sabe, é passível de mudanças ao longo das pesquisas e descobertas. Estou na fase do “tateamento”. Passei por uma página na rede social Facebook chamada Textile Industry Comunidade – Têxtil e do Vestuário que achei muito interessante. A página divulga conteúdos relacionados à moda sustentável, empreendedora, inovadora e preocupada com questões sociais. Porém, ela não foi escolhida até o momento.

Após algumas leituras, como no artigo Uma revolução conservadora na edição (2018), que fala sobre processos editoriais sincrônicos e diacrônicos, optei por selecionar um livro chamado A cronologia da moda. De acordo com o texto “as diferentes posições sincrônicas correspondem a momentos diferentes de trajetórias diacrônicas” (BOURDIEU, pg. 228), e acredito que será interessante utilizar esse livro para olharmos para essa questão da edição como história.

O livro Cronologia da Moda: de Maria Antonieta a Alexander Mcqueen, publicado pela editora ZAHAR, faz um percurso diacrônico de dois séculos da moda, de 1800 a 2020. Ele aborda tanto a moda masculina quanto a feminina, dedicando páginas para descrever homens e mulheres de determinada década. O livro conta fatos históricos e explica como e por que eles influenciaram e influenciam nossa forma de vestir. Há mais de mil ilustrações e todas as páginas são coloridas. As fotografias e ilustrações ajudam os leitores a enxergar melhor como eram as vestimentas de homens e mulheres. As imagens auxiliam no efeito diacrônico que o livro pretende causar. As frases mais marcantes dos principais estilistas, costureiros, designers, entre outros profissionais do ramo da moda, aparecem destacadas em posição estratégica, fazendo o leitor “passear” pela história da moda, observando as ideologias que circulavam em cada época. O autor traz fotografias de moda que revolucionaram a história, cenas de filmes, biografias, conteúdo histórico, e linguagem clara e bastante objetiva. O público alvo pode ser definido por todos aqueles que tem interesse por história da moda, principalmente historiadores e pessoas que trabalham com moda.

O que é cultura?

O conceito de cultura é um assunto polêmico e bastante complexo. É comum ouvir as pessoas dizerem que fulano “não tem cultura”, e a razão disso é que cultura, no senso comum, muitas vezes, é associada à inteligência, com o saber “positivo” adquirido. Quando falo em saber “positivo”, me refiro às coisas que a maioria das pessoas considera boas, valiosas, como uma vasta bagagem de leitura, ou um determinado gosto musical etc. Esse pensamento não é de todo errado, pois nosso conhecimento faz parte da nossa cultura, mas não podemos chamar de cultura somente o que nos agrada.

Cultura envolve todo o conhecimento e todos os costumes de determinado povo, inclusive aqueles que não só discordamos como repugnamos, como, por exemplo, a prática do casamento de crianças do sexo feminino em outros continentes. A cultura, na minha compreensão, não pode ser associada somente ao que consideramos belo, bom e idôneo. Isso gera um conflito enorme no diálogo com pessoas que nunca pensaram por esse prisma. Defendendo essa concepção, é provável que muitos desentendimentos aconteçam, mas esta é apenas a primeira problemática.

Muitos autores sentiram a necessidade de refletir sobre cultura, como Hermínio Martins em seu livro Experimentum Humanum – Civilização tecnológica e condição humana, onde aborda o impacto da tecnologia na cultura das comunidades. A obra A cidade e as serras e Eça de Queiroz é interessante para exemplificar as reflexões que Hermínio nos traz. É um livro em que contexto histórico retrata as diferenças entre viver num cenário de ascensão industrial como a cidade de Paris, na França, e viver nas Serras, que se refere à vida no campo. O livro traz as diferenças culturais de um local e outro e os reflexos dessas diferenças no modo de viver e se relacionar com o mundo dos personagens Jacinto e Zé Fernandes. Um (jacinto) vive em Paris, numa luxuosa residência cercado de tudo que há de mais moderno, e o outro (Zé Fernandes) aceita ir morar com o amigo e sente na pele as diferenças culturais e o impacto da tecnologia na vida das pessoas.

O autor Armand Martelelart, em sua obra Diversidade Cultural e Mundialização, aborda fatores históricos que dificultaram uma definição de cultura unânime por parte da Unesco desde de sua criação em 1946, como guerras e conflitos por poder e soberania. A Unesco crê que todos os povos do mundo possam ter um vínculo de paz, amizade e bem-estar, de acordo com o livro. Essa leitura somada às discussões feitas em sala de aula me levou a refletir mais sobre cultura em espaços circunscritos. Acredito que tendemos a pensar a questão cultural pelas diferenças mundiais, e talvez em um pequeno espaço já possamos pensar em cultura e como ela se modifica.

Cultura, a meu ver, é aquilo que fica, que marca determinado espaço. São costumes ou regras que ultrapassam a necessidade do homem. Dessa forma, voltando sobre a problemática inicial desse texto, fica a questão: se, seguindo a lógica saussureana de que um signo linguístico se torna relativamente estável quando é aceito numa comunidade, como posso dizer que a definição de cultura do senso comum brasileiro está errada? Se a maioria dos brasileiros associa cultura a bons conhecimentos, bom gosto e grande bagagem intelectual, como posso dizer que estão erados? São reflexões que ficam.

Os argumentos fáusticos e prometeicos: a tecnologia no mundo da moda

De acordo com as discussões anteriores sobre cultura, falei brevemente sobre o impacto da tecnologia em nossos hábitos culturais. Existem dois argumentos distintos que abordam a questão: o argumento Fáustico e o argumento Prometeico. O argumento Fáustico defende a ideia de que as tecnologias nos destruirão no futuro, inclusive alguns pensadores mais radicais acreditam que elas extinguirão a humanidade. O Argumento Prometeico defende que as tecnologias vieram para melhorar e facilitar a vida do homem.

O livro de Eça de Queiroz, A cidade e as serras, pode ser considerado Fáustico. A obra retrata vários conflitos que as tecnologias causavam ao personagem Jacinto, principalmente na parte em que o jantar ficou preso no elevador deixando todos com fome. Em contrapartida, a página que pensei em trazer como objeto editorial chamada Textile Industry Comunidade – Têxtil e do Vestuário traz sempre novidades tecnológicas associadas à moda que facilitam a nossa vida e bem-estar.

Seguindo o pensamento Fáustico, a moda é uma das indústrias mais consumistas e, consequentemente, uma das mais poluentes para o planeta. Recentemente foi descoberto que roupas sintéticas soltam microplásticos durante as lavagens, e que esses microplásticos deixam a água altamente tóxica para os seres vivos. Do mesmo modo que isso influencia o argumento Fáustico, também pode ser transformado, por outro prisma, como um argumento Prometeico. Pesquisadores inventaram um plástico de lavagem que segura os microplásticos liberados durante a lavagem, impedindo que eles se soltem na água. Isso não seria possível sem tecnologias de ponta que permitem não só identificar um problema, mas também aprestar soluções. https://www.facebook.com/porummundoideal/photos/a.422246131538666/620941088335835/?type=3&theater

Plástico de lavagem que impossibilita a passagem de microfibras para a água
Disponível no link acima.

No capítulo 12 chamado Vestuário, do livro Os meios de comunicação como extensão do homem, temos uma abordagem da roupa como extensão da nossa pele. O autor traz um argumento Prometeico de que o vestuário faz o homem sentir a necessidade de comer menos, enquanto que em sociedades onde homens viviam nus, comiam 40% mais. Também explica que as roupas permitem um controle térmico, e para além disso, também ser como manifestação identitária e política.

Como pesquisadora, acredito que pode haver uma relação de contribuição mútua entre consumo, tecnologia e sustentabilidade, e ambos ajudam a melhorar a vida humana, tanto na questão estética quanto no bem-estar físico. Em relação à moda, me considero mais Prometeica do que Fáustica.

Aplicando as discussões sobre cultura ao objeto editorial

O objeto editoral escolhido, como dito nos primeiros posts, foi o livro A Cronologia da Moda: de Maria Antonieta a Alexandre Mcqueen, de NJ Stevenson. Esse post é parte de uma das análises meu Trabalho de Conclusão de Curso, que foi feito com base na Análise Crítica do Discurso segundo o autor Norman Fairclough. Acho interessante expor essa análise na discussão sobre mudanças culturais, pois se trata de uma comparação da mulher de diferentes séculos. Abaixo seguem imagens dos recortes analisados.

Transcrição: A mulher no início do período vitoriano (p. 34)
“A “mulherzinha”
            Um aspecto notável foi a ampliação da classe média, devido à Revolução Industrial e ao subsequente desenvolvimento da infraestrutura do país. Prósperos homens de negócios, comerciantes e profissionais assalariados mudaram-se para os novos subúrbios. O status exigia que suas esposas fossem modelos de virtude doméstica: plácidas, dignas, delicadas e inativas. “
Transcrição: A mulher dos anos 2000 (p. 260)
“A mulher super-rápida
Patricia Fiel foi a estilista nova-iorquina por trás do fenômeno Sexy and the City, que fez do materialismo uma escolha de estilo de vida, retratando a moda como o único campo que reunia os elementos da sexualidade liberada e do rápido modo de vida urbano.
Considerado o programa mais estiloso da história da televisão, seu episódio de maior audiência atraiu 10, 6 milhões de espectadores. “

Segue parte das análises de meu TCC de título A instrucionalidade marcada e não-marcada em diferentes materiais relacionados à moda, para complementar as discussões sobre cultura. Autorizo o uso dessas análises por terceiros desde que citada a referência como Quirino, M. (2017).

Análises:

“As figuras do livro “Cronologia da moda” foram escolhidas para fazer uma análise comparativa. A primeira, figura doze, foi retirada do capítulo chamado “O início da Era Vitoriana” (1858 a 1870) e a segunda, figura treze, foi retirada do capítulo Retro e revolução (estima-se 1985 a 2020). Escolhemos figuras que falam sobre a mulher de cada época, o que nos permite analisar as mudanças linguísticas usadas para descrevê-las, que refletem grandes mudanças sociais. A voz presente é a da autora, que conta com suas palavras a história da moda e os principais fatos que a influenciaram ao longo dos períodos abordados. A organização desse material tem a função de fazer um “passeio” diacrônico pelo mundo da moda.

            Em ambos os títulos, é empregado o artigo definido “A” para descrever todas as mulheres da época, ou seja, a função gramatical do artigo definido é, na verdade, utilizada como função de artigo indefinido, apagando a individualidade e pluralidade das mulheres da época que, certamente, não se comportavam somente como o livro descreve. Se os autores fizessem a substituição do artigo definido “A” pela forma modalizada “A maioria”, talvez não passassem a firmeza e a confiabilidade que desejavam transmitir aos leitores, uma vez que a forma modalizada gera dúvidas, deixando implícito que existiam outros tipos de mulheres que o livro não abordou.

Os títulos também são uma forma de observar as mudanças sociais que ocorreram ao longo dos anos. O título da figura doze é “A” mulherzinha””, e o da figura treze é “A mulher super-rápida”. No primeiro, observamos uma interdiscursividade em torno do conceito de “mulherzinha”, que é colocado entre aspas justamente por ter duplo significado popular. Mulherzinha pode definir tanto uma mulher “do lar”, como pode definir uma mulher sem escrúpulos dentro do que a sociedade considera moral. Já o título “mulher super-rápida” refere-se à mulher moderna, que trabalha, que é livre, que tem uma vida cheia de compromissos, assim como os homens.

           Os adjetivos escolhidos para descrever o homem e a mulher na figura doze, demonstram a hegemonia presente na época, de submissão e inferioridade da mulher perante homem, que eram frutos do que Fairclough chama de função ideacional (ideologias que circulam na época). O homem era descrito como “homens de negócios, comerciantes e profissionais assalariados”, e a mulher era descrita como “modelos de virtude doméstica: plácidas, dignas, delicadas e inativas”. Já no recorte dois, o homem se quer é citado, e a mulher é definida como “super-rápida”, a que tem uma “sexualidade liberada” e uma vida agitada, adjetivos totalmente opostos aos dos apresentados no recorte um. Porém, a mulher é generalizada pelo emprego do artigo definido “A”, camuflando outras identidades, como a das mulheres que continuam sendo donas de casa, que preferem ou não podem trabalhar, que não tem um estilo de vida tão livre assim, etc. A autora faz o uso da pressuposição ao falar sobre a estilista que fez as roupas para o programa de televisão Sexy and the City, uma vez que não se prolongam muito ao descrever o programa, como se fosse algo do conhecimento de todo leitor, e definem apenas como um “fenômeno” e o “mais estiloso da história da televisão”, não dando maiores explicações. ” Quirino, Mayara (2017).

Objetos e neutralidade

Estudar um objeto editorial não é tarefa fácil para as intensas e inúmeras discussões que irão surgir em torno de um único objeto. Na aula anterior discutimos sobre a possibilidade de neutralidade nos objetos. Cheguei a conclusão de que buscarei defender que isso não é possível. Objetos são intrinsecamente unidos ao contexto em que estão inseridos.

Quando pensamos no objeto editorial como um todo, podemos ver como ele retrata importante fatos históricos, como eles foram influenciados pela moda, e como ela foi influenciada pela história. É uma via de mão dupla dotada de significação. Porém, não vamos olhar para o todo tentando explicar essa relação que não é nem de longe simples. Analisaremos exemplos.

Voltando a discussão anterior sobre cultura, é importante pensar que todas as culturas estão alojadas aos objetos. Temos o costume de pensá-las de maneira abstrata, o que não corresponde a realidade. O valor moral e ideológico são construídos por meio de objetos. Um exemplo interessante que foi citado em aula para nos ajudar a pensar essa questão, e também por se tratar de um exemplo relacionado à vestimenta, que é o principal assunto do nosso objeto editorial, foi a hierarquia acadêmica representada por cores de roupas diferentes. Existem Universidades que separam as pessoas que vão compor uma banca de acordo com a hierarquia acadêmica. Essa distinção (ou reconhecimento) é feita por meio de estolas de cores.

Observem o quão interessante é esse exemplo. Um evento solene, como uma defesa acadêmica, é mercada pela relação com as vestes, que engloba ao mesmo tempo uma sucessão de ações culturais esperadas e dotadas de sentido. Um outro exemplo que cabe é uma frase que está na página 72 do nosso objeto editorial, que diz: “A mulher sábia com baixo orçamento para a indumentária investirá sobretudo em roupa de baixo.” MRS ERIC PRITCHARD, 1902. A página conta a história do espartilho entre os anos de 1980 a 1900. A frase explica que o espartilho era mais que uma peça íntima, mais que um objeto lucrativo, mas para além disso, uma saída economia viável para a emancipação de mulheres com poucos recursos.

O novo “look” do mercado de trabalho

O que motivou o post de hoje foram as discussões em sala sobre uma obra chamada A ideologia Californiana, de Barbrook e Cameron. O livro faz fortes críticas ao livre mercado e ao modelo capitalista e tecnológico que se desenvolveu no Vale do Silício, e traz também uma interessante abordagem sobre as contradições que existem entre o desejo libertário e as ideias esquerdistas. De acordo com os autores, o desenvolvimento tecnológico, a longo prazo, poderia aumentar a desigualdade social e excluindo pessoas, apesar do desejo de emancipação econômica através da tecnologia que se expandiu na época. As considerações que farei nessa postagem são pessoais, baseadas em opiniões que construí por meio de vivências e observação.

Discordo da obra em algumas questões porque acredito que é possível construir uma relação utilitarista entre mercado, desenvolvimento social e tecnologia. Por exemplo, conheci em São Carlos uma pessoa trans que não tinha uma boa relação familiar, mas aprendeu a programar computadores e graças a isso conseguiu sair de casa, ter seu próprio sustento, e viver e trabalhar com pessoas que valorizam seu trabalho e sua identidade. Porém, concordo que a ideia de que a internet só traz mais liberdade e emancipação é falsa, principalmente quando temos grandes empresas associadas ao governo armazenando nossas informações pessoais, e dando um maior poder ao Estado de controle sobre os indivíduos. Se por um lado a internet e outras tecnologias libertam, facilitam nossas vidas, por outro, tiram nossa privacidade a níveis imensuráveis. O desenvolvimento do Vale do Silício é um exemplo interessante dessa relação entre ideias libertárias e capitalismo tecnológico.

O Vale do Silício foi um espaço que começou a mudar radicalmente após a segunda Guerra Mundial. Nos anos 50 a população do Vale do Silício dobrou para 52 mil habitantes. Foi um ambiente que se desenvolveu no meio de ideias libertárias, influenciadas pelo movimento hippie, e abrigou um grande número de engenheiros e professores no cenário pós-guerra. Fica localizado na Califórnia, nos Estados Unidos, e nele estão situadas as maiores empresas de alta tecnologia da atualidade.

Mas Mayara, qual a relação da história do Vale do Silício com roupas, com o nosso objeto editorial? Calma, leitor! tudo será explicado. Depois dessa aula onde discutimos as questões anteriores, me deparei com uma notícia na internet que achei muito interessante, e fui construindo ligações com o que ouvi na aula e com algumas experiências pessoais. A notícia foi publicada no site Estadão, com o título ‘Seja você mesmo’ vira regra nas empresas”https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,seja-voce-mesmo-vira-regra-nas-empresas,70002766016, e está disponível neste link. A matéria fala sobre como o ambiente de trabalho tem mudado a relação com seus funcionários. As empresas, aparentemente, estão ficando cada vez menos presas à aparências que por muito tempo foram consideradas “padrão”. Estão valorizando mais a capacidade do que o fato da pessoa preferir usar o cabelo rosa ao invés de castanho, por exemplo. Um dos trechos da matéria diz “Inspirado nas empresas de tecnologia do Vale do Silício (EUA), onde predomina a informalidade justamente para atrair jovens talentos e facilitar o processo de inovação, o movimento se espalha hoje entre companhias tradicionais de diferentes setores. Até os bancos – tradicionalmente um reduto mais formal – entraram nessa onda. “. Foi aí que meu gatilho apontou para as discussões da aula e também para o que vejo na prática.

Hoje em dia é muito comum ver Universitários de grandes Universidades como a UFSCar e a USP, ambas presentes na cidade de São Carlos, tatuados, com cores exóticas nos cabelos, com muitos acessórios não tão padronizados etc. O fato da cidade de São Carlos ser considerada a Capital da Tecnologia, e abrigar duas Universidades de peso, fez a cidade se desenvolver economicamente e socialmente. Como me formei há pouco tempo, trabalhei e também passei por processos seletivos em algumas empresas locais. Reparei que as empresas estão cada vez mais despojadas, assim como os trajes dos funcionários. Não cheguei a participar de nenhum processo seletivo com candidatos ou entrevistadores engravatados. Percebo que a mudança não se limita somente aos trajes, mas se estende também às estrutura das empresas como um todo. A quantidade de Coworkings e startups aumentou muito nos últimos anos aqui em São Carlos. É bem comum esses ambientes contarem com puffs no chão pra reunião de negócios, animais de estimação circulando pelo ambiente, decoração alternativa, como grafitagem, por exemplo, e várias outras coisas diferentes do ambiente de trabalho tradicional. Todas essas experiências e observações me fizeram refletir sobre como é possível unir o capitalismo, a tecnologia, e criar ambientes de trabalho mais confortáveis.

De acordo com a matéria publicada pelo Estadão, profissionais que tem sua verdadeira identidade preservada e respeitada, rendem mais. Acredito que não tem como ser diferente, e isso está totalmente ligado à moda como um fator social, como um objeto dotado de significação. Como disse Mark Tungate, “pessoas não compram roupas, pessoas compram identidade”. É nesse sentido que reflito sobre a moda como cultura e objeto. Por que hoje não vemos idosos tatuados? Porque era uma cultura que não se popularizou na juventude daquela geração. Futuramente, prevejo um grande número de idosos tatuados, e isso não será mais notado porque fará parte do comum. Não creio que o empreendedorismo, as tecnologias e o capitalismo estão sempre a favor do “mal”, como muita gente enxerga. Acredito na cooperação e no desenvolvimento humano, apesar das contradições do percurso. O modelo de trabalho dos Coworkings, por exemplo, ´possibilitou que pequenos empreendedores pudessem ter endereço comercial por baixo custo, gerando mais empregos. Isso é inclusão social, é emancipação. Na questão dos trajes, para finalizar a reflexão, achei muito interessante a valorização da identidade de cada um, mas não estou aqui para dizer que esse é o único modelo que deveria ser aceito e que é o correto, ignorando que cada tipo de trabalho tem suas demandas e particularidades, e que as superestruturas, quando se instalam, são difíceis de mudar. Acho que o ambiente de trabalho está mudando a passos largos, mas não posso chamar de revolução.

Milton Santos e sua relação com os objetos

Nas últimas aulas, falamos sobre conceitos do autor Milton Santos. Em sua obra A Natureza do Espaço: Técnica, Razão e Emoção, reuniu conceitos de história, filosofia, sociologia, geografia e outras humanidades para compreender o funcionamento do espaço humano. Segundo ele, o espaço é uma mistura entre paisagens e relações sociais.

Milton diferencia os objetos das coisas. De acordo com sua teoria, os objetos são elaborados socialmente, ou seja, não são neutros, já as coisas são elementos da natureza. Por exemplo, uma árvore que nasce sem intervenção do homem pode ser considerada uma coisa, mas se eu uso sua madeira para produzir papel, tenho um objeto.

O autor traz dois conceitos interessantes, que são: tecnosfera e psicosfera. A ideia de tecnosfera é ligada à técnica, à ciência e a tecnologia, enquanto que a ideia de psicosfera refere-se a sentimentos, em produção de sentido para ações. Nosso objeto editorial é muito amplo para exemplificar tais conceitos, uma vez que fala sobre moda em diferentes épocas, sendo influenciada por fatos históricos. Desse modo, escolhi alguns exemplos para ilustrar essas noções.

Nas página 100 e 101 do nosso objeto editorial, falamos sobre a mulher dos anos 1920. A pg 101 traz uma ilustração com uma mulher francesa usando com roupas leves, de olhos fechados, balançando em um balanço no meio da natureza. Essa imagem me passou a ideia de liberdade, de momento livre e descontraído. O chapéu saindo da cabeça e voando me chamou a atenção num primeiro olhar. A autora do livro revela, na pg 100, que o chapéu da época “dificultava enxergar” e “apertava a cabeça”. Acredito que a ilustração quis transmitir a ideia de libertação de um incômodo, representando o chapéu caindo. A ilustração pode ser considerada uma técnica que vai se aprimorando e ganhando novos modelos conforme a evolução tecnológica. A imagem em questão foi publicada em Paris, num almaque ilustrado no início de 1920. Tanto o almanaque quanto o livro escolhido para amparar as postagens, apesar das diferentes datas de publicação, tem algo em comum: são todos objetos editorias.

Para exemplificar a noção de psicosfera trago a parte que a autora fala sobre uma mudança sentimental em relação ao cabelo curto. Ela cita na pg 100 que no início dos anos 1920 o corte de cabelo altura do era considerado radical para a época, mas em 1926 se popularizou e era considerado elegante. Podemos observar com esse exemplo do cabelo que o sentimento das pessoas em relação aos elementos do mundo muda.

Verticalidades e Horizontalidades

As verticalidades, de acordo com Milton Santos, e segundo minha compreensão sobre os comentários da aula sobre a obra “Por Uma outra Globalização”, são vetores querendo um cotidiano obediente. De forma mais simples, são coisas que vem de fora, que ditam regras, e acabam alterando coisas internas. São os espaços geridos pela globalização, impactados pela cultura global.  Quem dita verticalidades detém a hegemonia do poder. As horizontalidades são regras de convivência, presentes no cotidiano, mas que acabam sofrendo mudanças pelas imposições das verticalidades.

Na pg. 93 do nosso objeto editorial, temos um relato da autora falando sobre os trajes esportivos usados em meados da década de 20, especificamente o golfe. Ela fala que se tratava de um esporte elitista, e até hoje ainda é, de certo modo. Porém, naquela época, após a I Guerra Mundial, o esporte acabou se popularizando um pouco mais, e permitindo que mulheres também jogassem. Isso aumentou, em grande escala, as vendas e produções de sapatos de camurça, principalmente nos EUA.

A moda sempre tem exemplos como esses. Ela é inspirada por fatores políticos, geográficos, históricos e globalizados. É bastante comum ver mulheres usando uma determinada peça que ficou famosa em um filme que estourou no mundo. A introdução da autora, presente na página 128, nos permite ver o tamanho do poder que a II Guerra Mundial (verticalidade) teve nos pequenos costumes da época, na hora de se vestir (horizontalidade), e também mudou totalmente a história da moda no mundo!

“A história da moda teria sido muito diferente sem a auteridade imposta pela II Guerra…..A Guerra provocou uma reviravolta” pg.128, Cronologia da Moda

Ainda sobre horizontalidades e verticalidades, gostaria de expor como a composição e distribuição das ilustrações da capa do nosso objeto editorial podem exemplificar esses termos de maneira significativa. Temos uma linha do tempo horizontal indicando as décadas em que a moda foi influenciada pelas mudanças e acontecimentos históricos. Na posição vertical, podemos observar os manequins com diferentes roupas, implicando as mudanças e transformações da moda ao longo do tempo.

Outro ponto curioso é que o livro traz a moda masculina e feminina, porém, na ilustração da capa, somente as manequins femininas estão representadas. É interessante pensar nessa escolha. Será que optaram pelos manequins femininos porque sofreram maiores alterações e, desse modo, ilustrá-los é mais significativo para o leitor? Ou seria uma questão de construção social onde o gênero feminino é retratado como o maior consumidor do mercado da moda? Fica a reflexão.