Texto Digital: Um Diagnóstico da literatura digital no Brasil

Sou Nair Renata Amâncio, mestranda do programa de pós-graduação em estudos de literatura da UFSCar, professora de espanhol, tomadora de café e desde que esse blog surgiu sou uma escritora, de tudo e nada ao mesmo tempo, perdendo o medo de dizer…

Este espaço se configura como um importante meio de divulgação e reflexão sobre as primeiras impressões e hipótese que tenho tido tanto sobre o meu objeto de estudo quanto sobre os desafios teórico-metodológicos que a pesquisa cientifica tem apresentado.

Apresentação

Escolher um objeto editorial (considerando a indefinição do termo) para desenvolver um estudo não me pareceu uma tarefa muito fácil, no fim (após três semanas de aulas e alguns dilemas) decide trabalhar com o objeto que é corpus da pesquisa de mestrado que comecei a desenvolver em março deste ano no PPGLIT, sob orientação da Prof. Dr. Rejane Cristina Rocha e, que se insere no Projeto de construção de um Repositório para abrigar a nascente Literatura Digital Brasileira.

A informação sobre o Repositório é de muita importância, pois foi em meio a muitos debates coletivos, sobre os desafios enfrentados para que viabilize a construção de um Repositório que abrigue os objetos da chamada Literatura digital brasileira, que a pesquisa individual começou a ser delineada. Uma vez que, o objetivo do projeto é contribuir para o desenvolvimento de questões teóricas e técnicas relacionadas a implementação de uma plataforma que dê conta de abrigar e manter as novas formas de produções literárias que começam a se consolidar no Brasil – Entendida aqui por Literatura Digital.

Para tanto, foi importante compreender as especificidades de um repositório. Sendo repositório um “lugar” na nuvem no qual se possa armazenar\guardar e o mais importante preservar os objetos dos novos meios (MANOVICH, 2005). Ressaltando que, não estamos em busca de uma plataforma que apenas reúna\divulgue os objetos digitais produzidos por artistas brasileiros, mas que possa preservá-los com fim de que eles possam, posteriormente, ser estudados e avaliados segundo os parâmetros de produção, circulação e institucionalização que começam a se firma no entorno dessa nova forma de expressão literária.

As discussões desta página farão referência ao mesmo tempo a um projeto derivado (individual – que se desenvolve em paralelo e visa contribuir para a construção desse projeto maior). Ainda, tentarei expor algumas experiências que estabelecem relações com o formato da disciplina e das questões que foram suscitadas no decorrer do processo de construção desta página.

Faço um parêntesis para deixar o link para o site Atlas da literatura digital brasileira. Esse site é um meio de documentar o processo de construção do Repositório da literatura digital brasileira e os trabalhos que já desenvolvemos até o momento.

Paralelamente aos questionamentos sobre a revista Texto Digital levantarei questões que se relacionam direta ou indiretamente (não há indiretamente) com os pilares que fundamentam o projeto de pesquisa, uma vez que, para o estudo de uma revista estamos nos deparando com a necessidade de compreender diversos conceitos (contrabandos epistemológicos) como; arquivo, acervo,  biblioteca, repositório. Esses dentre tantos outros conceitos que aos poucos irei trazendo para a discussão…

Decide não apagar esse paragrafo por acreditar que esse tipo de reflexão também é parte do processo, mas, nesse momento (09\07), considero as discussão sobre arquivo e os vários tipo de estocagem material com centralidade e não com lateralidade como acreditava no início.

Mas se eu fosse fazer uma lista do que pretendo discutir  ( já estou discutindo) na tentativa de hierarquizar as ideias, esta lista seguiria na seguinte ordem:

  • O que é a revista Texto Digital
  • Porque estudar uma revista? Qual é a importância dessa revista no contexto brasileiro? Como se deu a escolha do corpus?
  • Quais discussões e conceitos tem centralidade na pesquisa? 

Arquivo, memoria, história? Tudo isso e um pouco mais! Em busca do próprio Conceito. 

  • O que temos até agora? Que caminhos seguiremos?
  • Revista! Sim, um objeto editoral. Aqui começa os contrabandos epistemológicos.

Ps: Isto não é um índice

Trabalho em constante atualização sempre, tenha paciência colegas-leitores-queridos. 

Uma breve contextualização sobre o objeto editorial: A revita Texto Digital

https://periodicos.ufsc.br/index.php/textodigital

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A Revista Texto Digital é um periódico de publicação semestral – mantido pelo NUPILL (Núcleo de Pesquisa em Informática, Literatura e Linguística) e sediado na Universidade Federal de Santa Catarina. As publicações da revista são fomentadas pelas discussões que problematizam as relações entre arte e informática. Desde a sua criação, em 2004, além de artigos e ensaios de cunho teórico-crítico a respeito dos temas abarcados pelo seu escopo, a revista publica também “criações digitais” e “entrevistas com criadores” em seções homônimas.

Como podemos ver num excerto que diz respeito ao contexto de criação de revista, havia uma necessidade de se abrir espaço para questões que dão no âmbito da relação entre texto e linguagem digital.

“A revista foi criada com o intuito de abrir espaço para a discussão das teorias do texto literário que tentam descrever e compreender as textualidades digitais (criado dentro de um ambiente digital ou pensado para ser utilizado nesse ambiente), além de dar publicidade às artes digitais em geral. No que diz respeito à área das Letras, eram temáticas que, até aquele momento (e ainda até hoje), não encontravam muito espaço na Academia. Nos primeiros números, estava ligada à UERJ e, após, passou para a Universidade Federal de Santa Catarina, onde se encontra até hoje. (TEXTO DIGITAL)”

O modo como os fundadores da revista definem Textualidades Digitais dialoga muito com a definição de literatura digital pensada no projeto do repositório. O que se coloca em questão ao pensar o que é propriamente do meu digital, no caso do literário, são as produções de não poderiam existir fora de um computador, tablet, smartfone e etc…

Que discussões podem surgir de uma revista acadêmica?

A descrição sobre o que é a revista Texto Digital permite que sejam desenvolvidas diversas questões relacionadas a internet, literatura, arte e cultural digital.

Uma questão que está sendo posta é qual a concepção de revista que assumiremos para análise. É certo que temos um periódico de divulgação cientifica, mas que não cumpre, totalmente, com as características que definem um periódico acadêmico. Quando os fundadores da Texto Digital tomam a decisão editorial de publicar e divulgar criações digitais e entrevistas com criadores entra em questão os sentidos que podem ser atribuídos a revista Texto Digital, pelas características e particularidades que começam a ser apresentadas. A revista se coloca como um híbrido, ora periódico cientifico ora revista de vanguarda.

Conceito-chaves: Revista, periódico-cientifico, arquivo, armazenamento, história, literatura digital, cultura digital, proposições críticas. 

Bem, muito “simples” atualmente pensar nas características de uma revista de cunho acadêmico-cientifico, podemos até mesmo trazer definições do que vem a ser essa publicação.

Segundo a norma NBR 6023/2002, da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, um periódico científico é definido como “uma publicação em qualquer tipo de suporte, editada em unidades físicas sucessivas, com designações numéricas e/ou cronológicas e destinada a ser continuada indefinidamente”. Os periódicos científicos publicam, prioritariamente, resultados de pesquisas científicas, sendo compostos, em sua maior parte, por artigos originais.

Extraído de: http://portal.metodista.br/politicaeditorial/normas-de-criacao-de-periodicos-cientificos. 

Trazendo a definição da Associação brasileira de normas técnicas sobre as características que configuram um periódico científico, podemos estabelecer alguns contrapontos, pois a Texto Digital não cabe em uma definição. 

Pergunta: A Texto Digital não se enquadra na definição de periódico prevista pela Abnt. Porquê? 

Resposta: A revista surge em 2004 durante um Simpósio de literatura e informática ante a necessidade que se fazia\faz presente de pensar a relação entre o Texto e digitalidade. A revista nasce para suprir uma demanda, dando lugar para uma discussão que não havia encontrado espaço. Por abrir espaço para uma discussão ainda nova a TD se coloca como uma representante para a teoria-crítica e para a cena literária. Tal gesto marcou um lugar para a TD no cenário brasileiro, junto com as publicações uma história foi se construindo…É essa história que pretendemos explorar

A revista surgiu com a proposta de divulgar algo novo e mantém a sua proposta até o momento, são 15 anos de divulgação artística e cientifica. A Texto Digital continua propondo e divulgando o que vem sendo veiculado e discutido como literatura digital.

Pensando nas características da revista vemos que a TD dá lugar a uma discussão emergente tanto no campo das letras como no campo da informática. Dá lugar à crítica, à teoria e às produções artísticas. 

Dar lugar à produção artística seria o grande diferencial da revista? Acredito que sim!. Estamos falando de um revista que se firma no campo acadêmico, mas que além de artigos e ensaios também publica, divulga e armazena Criações digitais. 

Pergunta: O que são criações digitais, porque esse termo?

Resposta: O termo Criações digitais faz referências aos objetos digitais publicados na revista. Chamar de criações digitais as produções que envolvem prática artística e tecnologia é sugestivo devido a indefinição do que se produz.

Além de dar espaço para uma nova crítica as páginas dessa revista promove um espaço de divulgação e reflexão artística. 

Pergunta: Quais são os circuitos pelos quais a literatura digital tem circulado?

Resposta: Essa é um questão de difícil resposta, mas um constatação é que diferente da literatura de vanguarda, que começaram a ser produzidas em revista e ganharam espaço nos livros, as produções digitais não encontram, ainda, espaço no ambiente editorial canônico. Os motivos são os mais variados, relacionados a publico leitor, consequentemente mercado, capital financeiro e inviabilidade de colocar a literatura digital no suporte impresso. Pode-se dizer que estamos diante do advento de uma nova técnica que provoca uma desestabilização no circuito de circulação da matéria literária, antes conhecida apenas como livro.

Tres puntos clave que concentran la atención, respectivamente, em las relaciones entre os distintos actores de la escena literária – a saber: escritores, lectores, espectadores, artistas, críticos y académicos, cuyos roles dentro del ritual de la comunicación literária/ artística han sido substancialmente modificada. (CASTANYER, p.1)

Pergunta: O que uma revista “acadêmica” pode nos dizer sobre a produção teórica e artística realizada no escopo temático da emergente literatura digital  brasileira? Como a T.D marca seu espaço e o que nos diz sobre a relação entre literatura e técnica algorítmica?

História e memória

Muitas questões que são centrais na pesquisa, abrem espaços para que se pense na configuração da memória na literatura digital brasileira, considerando que memória e arquivo são lugares pré-construídos. 

Vanguarda

O valor da crítica e da divulgação literária

Uma reflexão diz respeito ao caráter das Revistas de vanguarda e as “temáticas” que as páginas desse tipo revistas permitem. Que objeto editorial é esse? Algo sobre o caráter peculiar dado as revista. O que é preciso ser para ser revista?

Seria a Texto Digital – um hibrido? Uma mistura das características das revistas de vanguarda com as particularidade de periódicos científicos. Temos aqui uma hipótese a ser desenvolvida. O que a hibridez da TD nos diz sobre o lugar de divulgação literária no Brasil, só há lugar para o impresso?

Por que a Revista Texto Digital? O esboço de uma história que começa…

No fim de dezembro de 2017 a Prof. Rejane Cristina Rocha chamou um reunião na qual propôs a formação de um grupo de estudos para trabalhar na criação de um Observatório da Literatura digital em Língua Portuguesa, o projeto que contará com várias etapas está em andando desde fevereiro de 2018. Nesse momento, eu desenvolvia uma pesquisa de iniciação científica sobre a rasura da autoria na literatura contemporânea. A pesquisa de iniciação científica em muitos momentos culminava na discussão sobre a influência da cultura digital, nos caminhos do literário, principalmente no que diz respeito aos pilares que sustentam a instituição Literatura atualmente: Livro, autor, obra, leitor e originalidade.

Pensando na relação entre autoria e práticas contemporâneas, constata-se que as tais “práticas autorais” do tempo presente estão (Obviamente) interpeladas e alteradas pela cultura digital, pela possibilidade do crtl-c e crtl-v. Até mesmo quando tomamos como objeto de observação um livro impresso (objeto editoral que aos poucos foi sendo encarado como próprio do literário) encontramos nele marcas que mostram que os processos de produção e os parâmetros de criação, pensando na concepção, estão relacionados, interpelados e alterados pela cultural digital.

É o caso do objeto que estudei durante a Iniciação científica. O livro impresso El Aleph Engordado (2009), publicado pelo autor Pablo Katchadjian, não sofreu “nenhuma” transformação material, o objeto livro manteve seus “ritos” já conhecido, mas o processo de produção foi suscitado e realizado por meio das reflexões suscitadas pela cultura digital e pela facilidade proporcionada pela técnica algorítmica.

O autor argentino literalmente “engordou” o conto El Aleph do famoso Jorge Luis Borges, a publicação levantou debates no âmbito da crítica literária e também do meio jornalístico. As discussões sobre o caso de apropriação colocaram em questão as noções de plágio e apropriação. Entre todos os debates suscitados pelo caso é interessante pensar que tudo se deu por conta da possibilidade proporcionada pela técnica algorítmica, que suscitam proliferações de invenções – novas práticas artísticas e culturais. Diante de questões dessa ordem emergem questões do tipo: O que a cultural digital nos oferece de reflexão quando a experimentação com a técnica é o próprio processo de produção?

Como puderam ver, na iniciação cientifica eu já buscava compreender como seria os processos (produção, circulação e construção crítica) da literatura e da critica que se debruça sobre produções literárias e meio digital . Agora tendo a buscar respostas para o que é efetivamente oriundo e executado por meio de computadores. 

Estabeleceu-se uma diferenciação entre literatura digital e literatura produzida no contexto digital. O Caso Pablo Katchadjian e tantos outros conhecidos caracterizam a literatura no contexto digital, pois em sua finalização material o produto a ser distribuído é o livro, mesmo os textos publicados em blog que tem a possibilidade de ser impresso continuam formando parte de um contexto digital e não de uma estética próprio do digital. Essa diferenciação é importante para pensar a literatura.

A literatura digital nunca encontrará espaço num livro porque este não dá conta de suprir as demandas necessárias para que se “leia” um objeto digital. A literatura digital se “realiza” no computador onde suas potencialidades podem ser exploradas e extrapoladas.

A diferenciação entre literatura no contexto digital e literatura digital começou a ser estabelecida por Rejane Rocha em 2014 no artigo Contribuições para uma reflexão sobre a literatura em contexto digital.

Nesse momento, eu escrevo num computador e tenho ao meu lado um caderno, uma agenda, uma caneta e um celular – Pensar e colocar essa prática multimídia nos ajuda a desconstruir discurso apocalíticos relacionados a internet.

É importante compreender, assim como Lanier coloca, que o grande problema não é a internet, mas o modo como foram se apropriando das ferramentas digitais e da possibilidade de conexão em rede. O mal da internet no presente momento são as redes sociais e a manipulação algorítmica.

Internet, técnica algorítmica, redes sociais

Lanier mostra que não é a internet nem a técnica algorítmica que está “destruindo” e ameaçando as sociedades e a democracia, mas o modo como se faz uso dela – Delete suas redes sociais até elas se tornarem seguras, para falar disso Lanier usa uma metáfora interessante. Ele fala de tintas! tintas de parede já foram inseguras, as pessoas deixaram de pintar suas casas até surgirem tintas sem metais nocivos, nos devemos deixar de usar a rede social (não a internet) até ela deixar de ser nociva e, sim nesse momento ela é!

Voltando para a autoria

A noção de autoria que atualmente ocupa um lugar de predominância surge e se forma em consonância com a cultura impressa e, desse modo, não há propriamente como desenvolver um estudo em que a autoria ou qualquer outra instância relacionada com a instituição literatura não seja colocada em questão, considera-se a convergência e as disputas entre digital e impresso. As duas técnicas que orquestram o presente.Os estudiosos da literatura digital (Murray, Landow, Aaseth, Gainza, Rocha, Manovich) têm colocado a necessidade de ler o digital pelas lentes do digital, uma tentativa de evitar leituras em que não se compreenda efetivamente a relação entre arte e técnica. Ainda assim as ‘culturas’ convivem e esse argumento é suficiente para uma certa maleabilidade entre as possíveis leituras e análises do que vem a ser (virá a ser) literatura digital. A literatura digital se construirá na diferenciação com a literatura impressa?

Uma constatação é que a cultura digital e a “cibercultura” são modos diferente de se relacionar com o digital…

Não existe uma técnica pura, há sim uma convivência entre as técnicas. Por isso pensar a cultural digital reflete e culmina na compreensão da cultura impressa. Relações de convivência. 

Um pouco mais sobre a pesquisa de mestrado

O principal foco da pesquisa  é propor uma análise  que dê conta de mostrar as especificidades e importância do estudo do periódico Texto Digital para a literatura digital brasileira – estamos falando da única revista brasileira que trata da temática “texto e digitalidade” no âmbito institucional.

Num mapeamento recém realizado constatamos que a maior parte das publicações da revista se relacionam com literatura e cultura digital.

É nesse contexto, por conta da representatividade desse periódico, que vimos a necessidade de entender como funciona a unica revista que armazena, publica e divulga questões relativas ao texto e a Digitalidade.

A cultura e a literatura DIGITAL: Tecer relações

“A cultura está relacionada ao advento de uma técnica”

As discussões da disciplina Estudar objetos editoriais caminham primeiro para um desmistificação do conceito de cultura e, paralelamente para uma compreensão mais ampla no que pode vir a ser Cultura no tempo presente.

A cultura mostra e manifesta muitas “coisas”, não podemos negar que há cultura (s) e cultura (S), mas as tantas “proliferações de invenções em espaços circunscritos” se manifestam sempre por meio de uma técnica e de uma materialidade inscricional (tangível ou intangível)

Assim, todo objeto editorial é um objeto também cultural que corresponde a uma produção relacionada a cultura, no “caso” que estudaremos é a cultura digital que está pautada em relação ao literário. Nesse paradigma, estamos nos questionando quanto a representatividade que a revista Texto Digital (esse objeto editorial tão particular) tem para a compreensão de literatura digital de uma maneira mais ampla.

Pensar a cultura digital coloca muitas questões, a principal dela é “o que é cultura?” e, nesse momento, se permitir-nos, podemos ver a estreita relação em técnica e cultura. A Técnica (aquela que nunca é pura e simplesmente uma “técnica”) determina nossos padrões de comportamento, o ritmo de nossas relações, o nosso modo de conduzir a vida – o nosso estar no mundo que tem uma força material. A importância da noção de Medium discutida por Regés Debray. Os objetos que tem força material são de essencial importância e inclusive são determinantes para as nossas manifestações culturais.

A cultura digital, que está colocando em questão o montante de padrões (editoriais ou não) que estavam relativamente “estabelecidos”, nos faz olhar para o passado para entender o presente “Escutar os olhos com os mortos” como coloca Roger Chartier (2010). Entender as práticas do escrito para poder fazer proposições no que diz respeito a digitalidade.

Nesse entendimento entre cultura é técnica podemos nos atentar para o momento de nossa história no qual surgiu o que hoje comumente chamamos de “Cultura Impressa”. Pensar em cultura impressa dá a ideia de cultura como algo construído e dependente de um contexto específico. Estudar o presente, compreender o passado e teorizar o futuro é esse exercício que a cultura digital nos impõe.

Enxerga a cultura impressa de forma não natural “facilitará” a compreensão da cultura digital – assim, perceberemos que uma técnica não se constrói sozinha, mas que é fruto de um longo período de estagnação e outro mais longo ainda de desenvolvimento. Assim, para compreender a cultura digital é importante voltar os olhos para o passado para compreender os regimes de funcionamento e de consolidação do impresso. Só assim compreenderemos que nada está dado e as relações se constroem por meio de forças materiais.

Para uma concepção de literário

Quando compreendemos que nada, nem a literatura está dada, que os objetos, assim como a literatura, se constroem e se consolidam por conta de uma grande rede de relações e decisões que aos poucos foram se estabelecendo o olhar sob os objetos do presente se faz mais sensível e passível de reflexões

A literatura como forma de expressão cultural se coloca diante de nós sob uma ótica que exige pensar como a expressão literária (dependente de uma técnica) tem se colocado e se reinventado no meio digital. A relação entre a literatura e a nova técnica algorítmica culmina no que estamos entendendo por Literatura digital.

Mas o que é mesmo literatura digital?

Sabe a Literatura? então ela não nasce sozinha não!

A relação entre uma prática cultural e o advento de uma nova técnica?

O conceito de literatura digital com o qual estamos trabalhando é o desenvolvido pela pesquisadora chilena Carolina C. Gainza


“La literatura digital refiere a un tipo de escritura y textualidad creada para ser leída en la pantalla. En este sentido, cuando nos referimos a ella de un dispositivo electrónico no estamos hablando de textos impresos digitalizados para ser leídos en formato digital, lo cual generalmente obedece al formato e-book. Si bien en los e-books podemos observar un proceso de traducción al lenguaje digital de ceros y unos, la estructura del texto y la forma de escritura no se modifica. Por el contrario, la literatura digital apunta a una experimentación con el lenguaje en este formato, una escritura en código que se despliega en forma de textos escritos, imágenes, animaciones y sonidos, que, en la gran mayoría de los casos, son dispuestos de formas no lineales.” (GAINZA 2016, p. 2

O que a literatura (digital) pode dizer sobre nossa cultura?

Difícil responder essa pergunta que eu mesma me fiz, mas de saída eu diria que ela pode colocar e está colocando em questão e demonstrando a forte relação da arte com a técnica, desmoronando a visão essencialista e dogmática de literário. A literatura digital nos mostra que o livro tão comumente conhecido como o lugar da literatura é um lugar atribuído e não inerente. Talvez a literatura digital nos mostre emblematicamente como se manifesta uma nova cultura.

Multidão – comunidade um contraponto para Povo.

Para pensar as práticas contemporâneas e as discussões de pesquisa que são fomentadas pelo contexto no qual nos inserimos é relevante discutir a distinção que Paolo Virno faz entre Povo e Multidão, sendo que na ideia de povo reside uma estrutura de mais rigidez, que corresponde ao que o estado necessita para manter a ordem. Já a multidão seria um múltiplo que se faz presente, uma célula não governável.

O interessante da noção de multidão é a não exclusão da individualidade. Seria um conviver no comum marcando especificidades, uma verdadeira partilha. Essas reflexões nos amparam no gesto de compreender o presente. No âmbito do literário tal questão dialoga com a Partilha do Sensível de Ranciere e com o recém publicado Indicionário do Contemporâneo. No Indicionário trabalha-se a ideia de comunidade, mas não no sentido restrito da palavra, mas sim, num dialoga com as discussões de Paulo Virno e Jaques Ranciere.

Questão que subvertem o modo de pensar a sociedade, nos ajudam a entender e a interpretar modos de vida, produções artísticas e até mesmo nossa singularidade enquanto pesquisadores. No âmbito do Digital a noção de Multidão se intersecciona com o que Byung-Chul Han devide entre Multidão e enxame, sendo que o que circula nas redes digitais de modo acrítico e indistinto se relacionaria a um enxame, mas em contexto sociais específicos (como o #15M) vemos um enxame fazer-se multidão. Um multidão não se alinha a uma postura governamental totalitária.

Surge desses gestos uma relação entre as noções discutidas por Byung-Chul Han e por Paolo Virno, de modo que na multidão está a contraposição a um governo totalitário (como exemplo o governo de Jair Bolsonaro). Esse movimento presente na vida contemporânea assume representatividade nas produções artísticas, tanto por seu atravessamento de fronteiras como por suas representações sociais. Estaria a literatura encarando a ideia de multidão/comunidade em suas produções?

A literatura digital encara uma subversão a certos sistema, pensando na internet e na técnica informacional como problematizada por Lanier, no qual estamos sendo feitos reféns do chamado aprisionamento digital, tanto por conta de software que delimitam funções e por consequência modos de vida, quanto no sentido mais amplo, no uso das redes sociais e a sua associação a lógica Behaviorista. É fato que produzir arte em meio a tantas questões acaba se convertendo em uma ferramenta de subversão. A arte segue assumindo um papel de desconstrução. Como pontua Arlindo Machado a literatura digital é uma forma de desprogramação da técnica.

Construções: Memória e crítica

Assim como a literatura a memória e a crítica não são mas se fazem e se fazem por meio de técnicas. A técnica em questão no tempo presente é a algorítmica…

Qualquer definição essencialista ou dogmática de crítica literária não leva em consideração o fato incontornável de que a crítica, antes do que uma teoria, é uma prática e, como todas as atividades humanas, desenvolve-se numa dinâmica histórica de acordo com necessidades e demandas circunstanciais e contingentes. A crítica, como a própria literatura, não é, mas se faz. (MAIA, 2018, p. 6)

Pensar a literatura e a sua relação com a técnica a essa altura já me parece um pouco obvio, saber que as práticas do literário se constroem por meio de sua relação com a técnica também. A visão de paradigmas baseados em processos de construção sempre se expandem. Assim como a literatura forma parte de um sistema de ações pré-construída a critica, a memória, o arquivo e o acervo também.

De acordo com Reinaldo Marques, p 22 -23 “O arquivo não é uma realidade pronta e acabada: ao contrário, em certa medida ele é construído e desconstruído pelo olhar do sujeito que, ao cumprir um itinerário, deixa suas pegadas, seus vestígios, instituindo um certo roteiro de viagem. P. 23 apud Indicionário do contemporâneo”

“Nesse sentido, revela-se que o arquivo não representa um passado, não dá testemunho histórico, mas o constrói, p.22

Ao enfocar a trajetória da revista Texto Digital eu esperava ter que definir o que é um arquivo e qual a noção de memória que permeia o trabalho, pensei que buscaria concepções duras e vertentes de arquivo e acervo, com o desenrolar dessa disciplina e das discussões do grupo de pesquisa Literatura e tempo presente, percebi que é a minha prática de pesquisa que construirá (cumprirá um itinerário) um arquivo e por sua vez uma memória para a literatura digital. Objetos editorias como uma revista permitem percepções de leituras que fazem com que novos embasamentos e novas proposições sejam empregadas. Olhando a Texto Digital como um objeto presente no mundo, numa situação real e concreta, marcada pela cultural digital percebi a oportunidade de se construir um arquivo, os ensaios, entrevistas, artigos e criações digitais estão todos lá, mas será o meu olhar como pesquisadora (no debate com o repositório) que dará sentido a um emaranhado de produções que estão organizadas, apenas, por ordem cronológica.

Estas reflexões que dizem respeito ao enfoque de uma trajetória, a produzir sentido para um acervo que dada as consequências do tempo presente reivindica uma análise, me faz pensar em parâmetros de relevância. Sob qual pressupostos e perspectivas os dados da Texto Digital serão levantados? Essa é um pergunta para o próximo semestre, mas já posso adiantar que nos interessa responder as questões que permeiam a construção do repositório.

Um diagnóstico da literatura digital no Brasil, foi publicado recentemente um dossiê sobre a literatura digital na América Latina nenhuma linha diz respeito a produção brasileira, tal constatação diz mais sobre nós do que sobre a literatura digital latino-americana. Talvez meu estudo tenha um objetivo um tanto ambicioso de fazer o Brasil aparecer nessas discussões, mostrando que há uma revista que toma para si a função de documentar e pensar o digital no Brasil. A perspectiva e a compreensão dependerá de como nós vamos construir esse arquivo que ora se faz crítica e ora se faz vanguarda. A Hibridez dos lugares de produção editorial sendo colocada em questão

Estamos enfocando a trajetória de uma revista

Espreita-se, assim, uma dúvida: de que maneira o arquivo, esse grande depósito, permite novas formas de ligação? Já que o murmúrio da perversão e do acúmulo dos objetos e documentos guardados no arquivo nos induz à desconfiança, talvez seja no limite da possibilidade de arquivamento – e na descoberta do princípio de corromper – que se localiza a sublevação possível. (PATO, 2012, p.67)

“o arquivo como reunião de pontos soltos; o jardim como possibilidade de passear e estabelecer conexões entre os diversos pontos; e a consideração de que não há grau de hierarquia entre pontos e ligações.” (PATO, 2012, p. 72)

Efeito de fim sem um fim propriamente dito

Sempre que uma disciplina termina eu costumo retomar a bibliografia lida e as minhas anotações para fazer um balanço do que eu aprendi, faço sempre uma recapitulação para quando eu precisar buscar alguma ideia ou texto as coisas estejam mais bem organizadas, com essa disciplina não foi diferente, mas ao invés de fazer uma recapitulação do que foi dito vi que tinha uma lista do que faltou dizer. São muitas questões que sem dúvida contribuirão para o desenvolvimento da pesquisa de mestrado. Como a ver um corpo de se desenhando, uma perspectiva que estabelece relações entre técnica algorítmica e produções literárias do tempo presente.

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